25 dezembro 2007

Sobre Eduardo e Mônica

Resolvi partilhar o texto a seguir porque achei de excelente criticidade. Muito bem explorado pelo autor. Divirtam-se com a leitura.

EDUARDO E MÔNICA
(Por Adolar Gangorra)

A música Eduardo e Mônica, da Legião Urbana, esconderia uma implicância com o sexo masculino? É o que garante Adolar Gangorra, nosso polêmico colaborador humorista.

Leia e confira:

O falecido Renato Russo era, sem dúvida, um ótimo músico e excelente letrista. Escreveu verdadeiras obras de arte cheias de originalidade e sentimento.
Como artista engajado que era, defendia veementemente seus pontos de vista nas letras que criava e, por isso mesmo, talvez, algumas delas excedam a lógica e bom-senso. Esse é o caso da música Eduardo e Mônica, do álbum “Dois”, de 1986, onde a figura masculina (Eduardo) é tratada sempre como alienada e inconsciente, enquanto a feminina (Mônica) é a portadora de uma sabedoria e um estilo de vida evoluidíssimos.

Analisemos o que diz a letra:

Logo na segunda estrofe, o autor insinua que Eduardo seja preguiçoso e indolente (Eduardo abriu os olhos mas não quis se levantar; ficou deitado e viu que horas eram) ao mesmo tempo que tenta dar uma imagem forte e charmosa à Mônica (enquanto Mônica tomava um conhaque noutro canto da cidade como eles disseram). Ora, se esta cena tiver se passado de manhã, como é provável, Eduardo só estaria fazendo sua obrigação. Se realmente fosse um playboy, ele não teria ido se encontrar com Mônica de bicicleta, como consta na quarta estrofe (se encontraram então no parque da cidade, a Mônica de moto e o Eduardo de camelo). Se alguém aí age como “playboy”, essa seria Mônica, que vai ao encontro pilotando uma ameaçadora motocicleta.

Como é sabido, aos 16 (ela era de Leão e ele tinha dezesseis) todo boyzinho já costuma roubar o carro do pai, principalmente para impressionar uma maria-gasolina como Mônica. E tem mais: se Eduardo fosse mesmo um playboy, teria penetrado com sua galera na tal festa (festa estranha, com gente esquesita, eu não tô legal, não aguento mais birita), quebraria tudo e ia encher de porrada o esquesitão mais fraquinho de todos na frente de todo mundo, valeu? Na ocasião do seu primeiro encontro, vemos Mônica impor suas preferências, uma constante durante a letra, em oposição a uma humilde proposta do afável Eduardo (o Eduardo sugeriu uma lanchonete mas a Mônica queria ver um filme do Godard). Atitude esta, nada democrática para quem se julga uma liberal.

Na verdade, Mônica é o que convencionou chamar de P.I.M.B.A (Pseudo Intelectual Metido a Besta e Associados, ou seja, cabeças e viadinhos vestidos de preto em geral), que acham que todo filme americano é ruim e que bom mesmo é todo filme europeu, de preferência francês, preto e branco, arrastado pra caralho e com bastante cenas de boiolagem.

Em seguida, Russo utiliza o eufemismo “menina” para se referir à Mônica (o Eduardo achou estranho e melhor não comentar mas a menina tinha tinta no cabelo). Menina?? Pudim de cachaça seria mais adequado. A pouco vimos Mônica virar um Dreher na goela logo no café da manhã e ele ainda a chama de menina?? Além disto, se Mônica pinta o cabelo é porque é uma balzaca querendo fisgar um garotão viril, ou porque é uma baranga escrota mesmo.

O autor insiste em retratar Mônica como uma gênia sem par (ela fazia medicina e falava alemão) e Eduardo como um idiota retardado (e ele ainda nas aulinhas de inglês). Note a comparação de intelecto entre o casal: ela domina o idioma germânico, sabidamente de difícil aprendizado, já tendo superado o vestibular altamente concorrido para medicina. Ele, miseravelmente, tem que tomar aulas para poder balbuciar “iéis”, “nou” e “mai naime is Eduardo”.

Incomoda como são usadas as palavras “ainda” e “aulinhas”, para refletir idéias de atraso intelectual e coisa sem valor, respectivamente. Coitado do Eduardo.... é um jumento.

Na sequencia, ficamos a par das opções culturais dos dois (ela gostava do Bandeira e do Bauhaus, de Van Gogh, dos Mutantes de Caetano e de Rimbaud) : temos nessa lista um desfile de ícones dos P.I.M.B.A.s, muito usados por quem acha que pertence à uma falsa elite cultural. Por exemplo, é tamanha uma pretensa intimidade com o poeta Manuel Bandeira, que usou-se a expressão “do Bandeira”. Francamente, “Bandeira” é aquele que fica apitando impedimento na lateral do campo. O sujeito mais normal dessa moçada aí, cortou a orelha. Já viu o nível? Só porra-louca de primeira. Tem um outro peroba aí que tem coragem de rimar “Êta” com “Tieta” e neguinho ainda diz que ele é um gênio!

Mais uma vez, insinua-se que Eduardo seja um imbecil acéfalo e um crianção (e o Eduardo gostava de novela e jogava futebol de botão com seu avô). A bem da verdade, Eduardo é um exemplo! Que jovem de hoje costuma dar atenção a um idoso? Ele poderia estar jogando vídeogame com garotos da sua idade, mas não... preferia a companhia do avô em um prosaico jogo de botões!! É de tocar o coração. E como esse gesto magnânimo foi usado na letra? Foi só para passar a imagem de Eduardo como paspalho energúmeno. É óbvio, para o autor, o homem não sabe de nada. Mulher sim, é uma maturidade pura.

Continuando, temos (ela falava coisas sobre o Planalto Central, também magia e meditação). Falava merda, isso sim. Nesses assuntos esotéricos é onde se escondem os maiores picaretas do mundo. Qulquer chimpanzé lobotomizado pode grunhir qualquer absurdo que ninguém vai contestar. Por quê? Por que não se pode provar absolutamente nada! Vale tudo! É o samba do crioulo doido. E quem foi cair nessa conversa mole jogada por Mônica? Eduardo, é claro, o bem intencionado de plantão. E ainda temos mais um achincalhe ao garoto (e o Eduardo ainda estava no esquema escola – cinema – clube – televisão). O que o Sr. Russo queria? Que o esquema fosse bar da esquina – terreiro de macumba – sauna gay – delegacia? E qual é o problema de se ir ao cinema e à escola, caralho?!?

Em seguida já se nota que Eduardo está dominado pela cultura imposta por Mônica (Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia, teatro, artesanato e foram viajar). Por ordem:

1) Teatro e artesanato não costumam pagar muito imposto;

2) Teatro e artesanato são lá as coisas mais úteis do mundo?

3) Quer saber? Teatro e artesanato são coisas de viado.

Agora temos os versos mais cretinos de toda a letra (a Mônica explicava pro Eduardo coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar). Mais uma vez, aquela lengalenga esotérica que não leva a lugar algum. Vejamos:

Mônica trabalha na previsão do tempo? Não.

Mônica é geóloga? Não.

Mônica é professora de química? Não.

Mônica é aviadora? Também não. Então que diabos uma motoqueira transviada pode ensinar sobre céu, terra, água e ar que uma muriçoca não saiba?

Novamente, Eduardo é retratado como um debilóide capaz de comprar a Torre Eiffel após ser convencido deste grande negócio pelo caô mais furado do mundo...

Ainda em (ele aprendeu a beber), não precisa ser muito esperto para sacar com quem... é claro que foi com a campeã do alambique! Eduardo poderia ter aprendido coisas mais úteis, como o código morse ou as capitais da Europa, mas não... acharam melhor ensinar para o rapaz como encher a cara de pinga. Depois temos (deixou o cabelo crescer). Pobre Eduardo.... Àquela altura, estava crente que deixar o cabelo crescer o diferenciaria dos outros na sociedade. Isso sim é ativismo pessoal. Já dá pra ver aí o estrago causado por Mônica na cabeça do iludido Eduardo.

Sempre à frente em tudo, Mônica se forma quando Eduardo, o eterno micróbio, consegue entrar na universidade (e ela se formou no mesmo mês em que ele passou no vestibular). Por esse ritmo, quando Eduardo conseguir o diploma, Mônica deverá estar ganhando o seu oitavo prêmio Nobel.

Outra prova da parcialidade do autor está em (porque o filhinho de Eduardo tá de recuperação). É interessante notar que é o filhinho de Eduardo, e não de Mônica, que ficou de recuperação. Em suma, puxou ao pai e é tapado que nem uma porta.

O que realmente impressiona nesta letra é a presença constante de um sexismo esteriotipado. O homem é retratado como sendo um simplório alienado que só é salvo de uma vida medíocre e previsível, graças a uma mulher naturalmente evoluída e oriunda de uma cultura alternativa redentora.

Nesta visão está a idéia absurda que o feminino é superior e o masculino, inferior.

É sabido que em todas as culturas e povos existentes, o homem sempre oprimiu a mulher. Porém, isso não significa, em hipótese alguma, que estas sejam melhores que os homens. São apenas diferentes. Se, desde o começo dos tempos, o sexo feminino fosse o dominador e o masculino o subjulgado, os mesmos erros teriam sido cometidos de uma maneira ou de outra. Por quê? Ora, porque tanto homens, mulheres e colunistas sociais fazem parte da famigerada raça humana. E é aí que sempre morou o perigo. Não importa que seja Eduardo, Mônica ou até... Renato!
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Adolar Gangorra tem 79 anos, é editor do periódico humorístico “Os reis da gambiarra” e não perde um show sequer dos “The fevers”.